Quinta-feira, 30 de Abril de 2009

As probabilidades no dia a dia - II

O problema dos gatos da minha filha Ana Rita acabou por se resolver da forma mais feliz para ela: a amiga ofereceu-lhe um gatinho com manchas brancas e pretas, que se está a revelar um belo patife que arranha tudo o que é sofá.

Mas, as situações que envolvem decisões em relação a assuntos acerca dos quais não temos a certeza são muitos e variados.

Vamos dar mais dois ou três exemplos.

 

1 - Voltando ao lançamento de moedas. Já verificámos no post anterior que a probabilidade de sair cara ou coroa no lançamento de uma moeda era 50% para cada caso.

Coloquemos uma situação um pouco diferente. Lancemos simultaneamente 5 moedas iguais. Qual é probabilidade de obtermos, pelo menos, 4 caras?

Para resolver esta questão, basta um pequeno raciocínio e a construção de uma tabela:

 

- A primeira questão a saber é de quantas maneiras diferentes podem cair as 5 moedas?

A - se for uma moeda são 2 maneiras, ou seja 21:

 

   cara coroa

B - se forem duas moedas são 4 maneiras, ou seja 22:

 

cara,cara coroa,coroa
cara,coroa coroa,cara

C - se forem três moedas, já parece evidente que serão 8 maneiras, ou seja 23:

      

cara,cara,cara coroa,coroa,coroa
cara,cara,coroa cara,coroa,cara
coroa,cara,cara cara,coroa,coroa
coroa,cara,coroa coroa,coroa,cara

 

Parece evidente que se forem quatro moedas são 16 maneiras e cinco moedas darão 32 maneiras diferentes, ou seja 25 .

 

Propomos aos leitores um pequeno desafio:

 

- Elaborem uma tabela semelhante às anteriores com os trinta e dois casos possíveis e tentem responder à pergunta inicial, que repito:

 

- Qual é a probabilidade de obtermos, pelo menos, quatro caras no lançamento de cinco moedas simultaneamente?

 

2 - A segunda situação tem a ver com o lançamento simultâneo de dois dados.

Os professores do primeiro ciclo têm de recorrer, muitas vezes, ao jogo didáctico para ensinar os alunos. A situação a que me refiro pode ser transformada num jogo. Já vi dois com o mesmo objectivo e com nomes diferentes: "A travessia do rio" e "O Salto dos cangurus".

 

Expliquemos como é que funciona "A Travessia do rio":

 

- São precisos dois jogadores: A e B.

- São usados dois dados que são lançados pelos jogadores, alternadamente.

- Há um cartão com o desenho de um rio ao meio e em cada uma das margens 12 casas numeradas de 1 a 12.

- Cada jogador possue 12 objectos que terá de passar para a margem do rio oposta à sua.

Regras:

1 - Cada jogador coloca os seus objectos nas casas numeradas que entender. Até pode colocar todos os objectos na mesma casa se entender que essa é a melhor estratégia para ganhar o jogo.

2- Cada jogador lança os dois dados e soma os pontos das faces viradas para cima. No caso de ter algum objecto na casa que tem o número da soma, esse objecto passa para a outra margem (só passa um objecto de cada vez).

3 - Ganha o jogo quem primeiro passar todos os 12 objectos para a margem oposta.

Vejamos uma situação concreta:

 

 

Vamos supor que depois de efectuadas algumas jogadas o jogo tem a posição anterior; o jogador A lança os dados e a soma dos pontos é 6. O jogador A ganha ao passar o último objecto para a outra margem.

Mas até chegar a esta situação pode ter sido por duas razões: ou por sorte ou por ter conseguido arranjar uma estratégia ganhadora. Para isso é preciso verificar que:

A - não se devem colocar objectos na casa numerada com 1 (nunca se consegue a soma 1);

B - devem escolher-se as somas com maior probabilidade de sairem e colocar nessas casas o maior número de objectos. É preciso saber que são 11 somas que são possíveis de obter (de 2 a 12), mas nem todas saem com a mesma frequência. De entre os casos possíveis, o 12 só se pode obter quando saem dois 6; mas o 8 pode obter-se de várias formas: 4 + 4; 2 + 6; 3 + 5; 6 + 2; 5 + 3 - 5 maneiras diferentes, o quer dizer que temos muito maior probabilidade de obter 8 do que 12. Agora é preciso descobrir as somas com maior probabilidade de se conseguirem e como tal a estratégia ganhadora.Façamos duas perguntas:

- Qual é soma que tem maior probabilidade de sair?

- Que casas escolheria para colocar os seus objectos de modo a ganhar o jogo?

 

É esse o desafio para os leitores.

publicado por Frantuco às 23:43
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Sexta-feira, 24 de Abril de 2009

As probabilidades no dia a dia

"A teoria das probabilidades tornou-se tão essencial em todos os ramos da ciência, não só nas ciências físicas, mas também nas ciências biológicas e sociais, que se pode prever com alguma segurança que desempenhará um papel cada vez mais importanteno ensino da matemática nos primeiros anos de escolaridade." Esta citação foi retirada de um livro do sr. Martin Gardner, matemático e filósofo da ciência e mostra que a Matemática é uma ciência que continua a ser construída, porque há sempre coisas novas.

Hoje vamos falar, tal como o título indica, de probabilidades.

No desenrolar do nosso dia a dia deparamo-nos com situações que nos  obrigam a tomar decisões e acerca das quais não temos a certeza. Apenas temos indicações que nos permitem decidir com alguma probabilidade de acertarmos.

Vamos falar de algumas dessas situações. Algumas delas são meros jogos, enquanto outras envolvem opções importantes. Vejamos então alguns casos:

1 - todos nós  jogámos, nem que seja apenas por distracção, ao lançamento de uma moeda e registámos as faces saídas durante, por exemplo, 10 lançamentos:

 

cara, coroa, coroa, coroa, cara, coroa, coroa, coroa, coroa, coroa

 

Como se verifica em 10 lançamentos saíram 8 coroas e 2 caras. Toda a gente sabe, se a moeda é perfeita, que a probabilidade de sair qualquer das faces é 1/2, isto é, 50% para cada caso. Mas não é isto que aconteceu até agora. Então podemos podemos supor que na próxima jogada vai sair cara. Será assim? Se reflectirmos um pouco chegaremos à conclusão de que tanto pode sair cara ou coroa, porque os lançamentos da moeda são todos independentes uns dos outros.

Logo, a face a sair pode ser qualquer uma, independentemente das saídas anteriores.

Será que podemos concluir que ao fim de 10000 lançamentos da moeda, cerca de 5000 são cara e a outra metade coroa?

 

2 - Conheci em Moçambique, onde estive no serviço militar, um casal que tinha sete filhas. Desejavam ter um filho. À quinta gravidez da mulher todos os seus amigos diziam: é desta vez que nasce um rapaz, não pode ser outra menina. No entanto, a mãe natureza foi gorando as expectativas e à sétima menina o casal desistiu.

Mas perguntamos nós: a probabilidade de nascer rapaz ou rapariga não é a mesma? E a parte genética não conta? A probabilidade de um bébé ser macho ou fêmea é 50% para cada caso, mas a mãe natureza pode trocar-nos as voltas.

 

3 - A minha filha Ana Rita gosta muito de animais. Ultimamente tentou arranjar um gato, pois uma das suas amigas ofereceu-lhe um gatinho dos quatro que a sua gata tivera.

Perguntei-lhe se era macho ou fêmea. Respondeu-me que não sabia, mas que preferia um gato e sendo quatro eram, de certeza, dois machos e duas fêmeas.

Então eu disse-lhe que talvez não fosse assim. A melhor maneira de  descobrirmos era fazermos um pequeno estudo para calcularmos a  probabilidade de todos os acontecimentos prováveis. 

 

 

Nem todos têm a mesma probabilidade de acontecer.

Vamos fazer uma tabela registando as diferentes hipóteses: serem todos machos; serem todos fêmeas; serem dois machos e duas fêmeas; serem três de um sexo e um do outro. Identifiquemos os gatinhos pelas letras A, B, C, D.

A B C D Nº de casos
M  M    M  M 1
       F        

      F    

        F             F      1
M F    F  F  4
F M   F F
F F   M F
F F   F M
F M   M M  4
M F   M M
M M   F M
M M M F
M M F F 6
M F M F
M F F M
F F M M
F M F M
F M M F

 

Analisando a tabela verificamos que:

1 - serem todos machos ou fêmeas só acontece uma vez para cada caso. Logo, a probabilidade é 2/16 ou 1/8.

2 - serem três fêmeas e um macho ou três machos e uma fêmea acontece quatro vezes para cada caso. Ao todo, oito casos, ou seja, metade do total. Logo, a probabilidade é 8/16 ou 4/8 ou 1/2.

3 - serem dois machos e duas fêmeas acontece seis vezes. Logo, a probabilidade é 6/16 ou 3/8.

Se somarmos todas as probabilidades obtemos 1.

 

Concluindo:

- A minha filha pode estar enganada e não serem 2 machos e 2 fêmeas. É mesmo a situação mais provável.

 

- Se a amiga da minha filha lhe der um gato ao acaso, de acordo com os dados da tabela, e se se verificar a situação de serem 3 fêmeas e 1 macho, qual é a probabilidade de lhe vir parar às mãos um gatinho?

 

Há muitas outras situações que gostaríamos de referir. No próximo artigo continuaremos este assunto.

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Quinta-feira, 16 de Abril de 2009

O tempo, os relógios e as horas

Há algum tempo assisti a um filme cujo título é "O Estranho Caso de Benjamin Button", adaptação, na minha opinião, bem conseguida de um conto do escritor americano F. Scott Fitzgerald com o mesmo título. Neste filme, um personagem construiu um relógio que funcionou sempre para trás, isto é, os ponteiros, em vez de se movimentarem da esquerda para a direita, movimentavam-se em sentido contrário.

 

 

Já pensaram se alguma vez este relógio estaria certo, ou se era possível saber as horas, mesmo fazendo contas?

 

 

Penso ser esta uma pergunta pertinente.  Mais à frente voltaremos a ela para esclarecermos alguns aspectos.

No entanto, esta questão das horas e dos relógios é antiga e já foi tratada por  muitas pessoas. Por exemplo, um senhor de nome literário Lewis Carroll criou um problema em que fala de dois relógios, do qual apresentamos uma  versão adaptada:

 

- Tenho dois relógios. Um deles parou às oito horas e nunca mais trabalhou; o outro trabalha mas atrasa um minuto por dia. Qual destes relógios me dá as horas com mais fiabilidade?

 

 

 

É evidente que a pergunta que se faz não tem sentido. Ninguém vai utilizar um relógio avariado para obter as horas. Contudo, se analisarmos a situação, veremos que o relógio parado dá-nos as horas certas duas vezes ao dia, enquanto o relógio que atrasa um minuto por dia só nos dá as horas certas de 720 dias em 720 dias. Porquê? Como ele atrasa 1 minuto por dia, se começarmos a ver as horas às 12, só quando os ponteiros estiverem novamente nas 12 horas é que o relógio estará certo. Entretanto terão passado 12 x 60 = 720 minutos que corresponderão a 720 dias. Apesar deste atraso de 1 minuto por dia, a termos de escolher um relógio para nos indicar as horas, penso que qualquer pessoa escolheria este. Sempre é possível fazer alguns cálculos, apesar de se atrasar, e saber a hora certa. A pergunta que se põe sobre a escolhe só é aceitável como brincadeira, como charada,...

 

Voltando ao relógio do filme, que como foi dito funciona ao contrário, colocamos o seguinte desafio:

 

- Se tiver um relógio cujos ponteiros andam para trás, pensa que será possível  este relógio estar certo alguma vez? Sendo assim, quantas vezes estará certo durante 24 horas? Será possível saber a hora exacta em qualquer momento fazendo cálculos?

 

Os problemas envolvendo horas e relógios são muitos e variados. Há alguns dias ao ler um livro de matemática cujos autores são Philip Carter & Ken Russell, encontrei um problema, do qual fiz a versão que apresento como desafio aos leitores:

 

-  Tenho dois relógios, que pus a trabalhar simultaneamente às 12 horas. Ao fim da primeira hora descobri que um deles atrasa 2 minutos por hora e o outro adianta 1 minuto por hora. Passado algum tempo, verifiquei que os relógios marcavam horas cuja diferença era exactamente uma hora. Que horas marcava cada um dos relógios?

 

 

 

Nota: O problema do relógio que anda para trás foi-me sugerido pela minha filha Ana Rita. De facto, foi ela que ao ver o filme pensou que talvez fosse possível criar um desafio que fosse interessante. Aqui fica o registo.

 

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publicado por Frantuco às 23:00
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Quinta-feira, 9 de Abril de 2009

As probabilidades e os anos

Na minha actividade profissional tenho entrado em muitas escolas do distrito de Castelo Branco. Tenho assistido às mais variadas situações envolvendo alunos e professores e eu próprio. Normalmente quando entro numa sala de aula olho em volta e observo os cartazes, os trabalhos, os materiais, as informações,...que estão expostos nas paredes ou nos armários ou nas mesas.

Há, talvez, cerca de dois anos, ao ler um cartaz pendurado numa parede, verifiquei que havia naquela sala cinco (5) alunos que faziam anos no mesmo dia, embora não fossem da mesma idade. Verifiquei depois que havia três irmãos que eram gémeos. Apesar disto, era um número significativo de alunos a fazerem anos no mesmo dia, o que não parece ser nada vulgar, tanto mais que a turma tinha 17 alunos, o que corresponde a uma percentagem de 29,4% do total de alunos.

Esta circunstância levou-me a fazer algumas reflexões e a procurar informações sobre a probabilidade de acontecerem situações parecidas com esta.

1. Conta-se, como pergunta de algibeira, que tendo alguém 10 pares de peúgas de três cores diferentes numa gaveta da cómoda do quarto de dormir, todas misturadas,  e não querendo acender a luz de madrugada para não acordar a mulher e precisando de peúgas, pergunta-se:

 

- Quantas peúgas deve tirar para ter a certeza de que tem um par da mesma cor?

 

A resposta não pode ser 2, porque tem três cores diferentes; não pode ser 3 - poderia calhar uma peúga de cada cor; mas com 4 peúgas de certeza que duas eram da mesma cor.

 

2. Martin Gardner, no seu livro "Ah, apanhei-te!" pergunta se será "uma coincidência extraordinária" duas pessoas num grupo de quatro serem do mesmo signo. Nós, em vez de signos, preferimos perguntar:

 

Qual é a probabilidade de duas pessoas, num grupo de quatro, terem nascido no mesmo mês?

 

Tal como no caso das meias, para que tivéssemos a certeza (probabilidade 1) de ter duas pessoas nascidas no mesmo mês precisávamos de juntar 13 pessoas.

Como calcular a probabilidade de duas pessoas num grupo de 4 terem nascido no mesmo mês?

Parece evidente que qualquer das pessoas tem a mesma probabilidade de ter nascido em qualquer dos 12 meses do ano, que será 1/12. Se considerarmos quatro pessoas - Alice, Berta, Carla e Dulce - podemos imediatamente calcular qual é a probabilidade da Alice e da Berta não terem nascido no mesmo mês. Como os meses são 12, logo essa probabilidade é 11/12. Portanto a probabilidade de terem nascido no mesmo mês é 1/12. Isto, no caso de serem 2 pessoas.  Juntando a Carla, a probabilidade desta não ter nascido  no mesmo mês das outras duas é 10/12. E juntando a Dulce, a probabilidade desta não ter nascido  no mesmo mês das outras três é 9/12.

Agora já temos as quatro amigas e se multiplicarmos as três fracções obtidas anteriormente obtemos a probabilidade de nenhum par das amigas terem nascido no mesmo mês:

 

11/12 x 10/12 x 9/12 = 990/1728 = 55/96

 

1 - 55/96 = 41/96 = 0,427- probabilidade de duas das 4 amigas terem nascido no mesmo mês.

 

Como verificamos a probabilidade de num grupo de 4 pessoas duas delas terem nascido no mesmo mês é superior a 4/10, bastante perto de 1/2.

3. Existe um problema clássico que é um pouco mais complexo do que este. Já o vi enunciado de duas maneiras distintas:

A - Qual é o número mínimo de pessoas que devemos juntar aleatoriamente de modo a obtermos uma probabilidade superior a 1/2 de haver pelo menos duas pessoas no grupo que fazem anos no mesmo dia do ano, logo, mesmo dia e mês?

 

A outra versão é:

 

B - Se juntarmos 23 pessoas aleatoriamente (ao acaso) há "uma probabilidade ligeiramente superior a 1/2 de, pelo menos, duas terem nascido no mesmo dia e mês" (Martin Gardner, 1982). Verdadeiro ou falso?

 

Como é que se faz o cálculo para a 2ª versão? É semelhante ao caso anterior, o das 4 amigas. Vejamos:

 

- A probabilidade de duas pessoas não terem nascido no mesmo dia e mês é 364/365. Se o ano tem 365 dias, então se duas pessoas fazem anos no mesmo dia do mês, então essa probabilidade é 1/365.

Continuando o raciocínio, se juntarmos uma 3ª pessoa a probabilidade de não fazerem anos no mesmo dia é 363/365 e assim sucessivamente.

Como são 23 pessoas temos de obter 22 fracções de denominador 365 e o numerador vai diminuindo 1 unidade.

Em seguida multiplicamo-las e subtraimos o valor obtido a 1. Será:

 

364/365 x 363/365 x 362/365 x 361/365 x 360/365 x ...x 343/365 = 0,49270276....

1 - 0,49270276 = 0,50729724

 

Como se verifica a probabilidade de num grupo de 23 pessoas, formado ao acaso, pelo menos duas delas fazerem anos no mesmo dia e mês é efectivamente ligeiramente superior a 1/2.

 

Perante estes resultados, não é de admirar que em qualquer das salas que eu visitei houvesse dois ou mais alunos a fazerem anos no mesmo dia. Daí que os cinco que encontrei, embora pouco comum, não se torna uma situação invulgar.

 

Agora para terminar propomos um pequeno desafio:

 

- Quantas pessoas devem estar reunidas, ao acaso, para que a probabilidade de, pelo menos duas delas, fazerem anos no mesmo dia e mês seja cerca de 7/10?

 

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publicado por Frantuco às 23:42
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Quarta-feira, 1 de Abril de 2009

Vamos aos gambuzinos

Vou recorrer mais uma vez às memórias da minha infância para falar de alguns costumes que faziam parte de uma certa cultura popular nas nossas vilas e aldeias.

Na minha terra, que até ao fim da década de 60 do século passado teve bastante juventude, houve sempre muitos aprendizes de variadas profissões, além dos muitos que se dedicavam à agricultura. Havia os aprendizes de barbeiro e alfaiate, os de carpinteiro, os de pedreiro, os de sapateiro,... Todos eles tinham os seus rituais, as suas praxes, as suas partidas.

Sapateiros havia, pelo menos, uma meia dúzia, espalhados pela vila.

O aprendiz novato, nos primeiros dias de aprendizagem, tinha de aprender primeiro que havia uma iniciação que tinha de ser cumprida. De nada valia saber o que ia acontecer quando o mestre (sapateiro) lhe dizia para ir levar ou pedir a pedra de afiar as sovelas ao tio Albano (era um sapateiro que trabalhava a uns bons 700 metros de distância). A "pedra" era metida num saco e colocada às costas do aprendiz que a  levava de um sapateiro para o outro. E ela pesava uns bons  quilos. O "desgraçado" até ia ajoujado debaixo do saco. Por vezes, chegava à sua oficina e recebia outra ordem: afinal de contas eu já não preciso dela; tens de ir à Nave, que o tio João é que precisa dela. E eram mais 600 ou 700 metros debaixo do saco. Este ritual era uma espécie de baptismo para os sapateiros.

Todas as profissões tinham a sua iniciação.

Para os aprendizes de agricultores, além dos trabalhos específicos ligados à actividade, havia um ritual que era uma espécie de integração/aceitação na comunidade: a caça aos gambuzinos.

Estes rituais organizavam-se normalmente durante a época das sementeiras de Outono/Inverno, as sementeiras dos cereais, trigo, cevada, aveia, centeio. Havia casas agrícolas que mantinham grupos a fazer a sementeira com mais de duas dezenas de trabalhadores. Estes ranchos permaneciam durante a semana no local de trabalho, onde pernoitavam. Depois da ceia e antes de ir dormir, porque no dia seguinte era preciso levantar cedo, conversava-se, contavam-se histórias, jogava-se às cartas, pregavam-se partidas,... Era aqui que entrava a caça aos gambuzinos.


                                 (retirado de cebices.com)


Os jovens que faziam a lavoura pela primeira vez eram as "vítimas". Caçar gambuzinos, que nunca ninguém tinha visto, exigia um grupo batedor que, com paus, latas,e outros objectos fazia barulho para obrigar os "bichos" a fugir. Entretanto, o "baptizado" era colocado com um saco aberto junto de uma azinheira ou de uma parede à espera que fossem lá ter. Não é preciso ter muita imaginação para se adivinhar o que acontecia. O grupo batedor, já combinado, regressava ao acampamento depois de algum barulho inicial e o "iniciado" ainda hoje lá estaria com o saco aberto à espera, se não tivesse alguma esperteza. Claro que a "caça" acabava com o regresso da "vítima" ao acampamento, onde era recebido com uma enorme risada e as histórias dos anos anteriores vividas por cada um dos participantes. Havia sempre as histórias paralelas daqueles que no negrume da noite se perdiam, metiam os pés numa cova e caíam num charco,...

Mas, faz parte do inventário das histórias recolhidas sobre a caça aos gambuzinos, a sorte impossível do portador do saco, que numa noite bem escura e fria regressou ao acampamento com um gambuzino: uma bela lebre, que acordada pelo barulho dos batedores foi ter à boca do saco que se encontrava junto ao tronco da azinheira. Quando todos se preparavam para celebrar ruidosamente o seu regresso, abriu o saco e sacou o "bicho" e ninguém teve coragem de abrir a boca. Daquela vez os gambuzinos tinham pregado a partida aos "caçadores".  

Num tempo e em locais onde as notícias chegavam quando chegavam, a divulgação do conhecimento era muito de carácter oral. Apareciam os divulgadores de adivinhas, os contadores de anedotas ou histórias, os resolvedores de problemas, que tinham muitas vezes um truque ou exigiam um raciocínio apurado. Estes problemas eram heranças orais dos nossos bisavós, que, por sua vez, os tinham herdado dos seus avós.

Um dos problemas mais comum era a divisão de um líquido em partes iguais tendo 3 medidas diferentes e dizia o seguinte:

 

"Dois amigos receberam como oferta uma vasilha com 8 litros de azeite (era uma zona de grande produção e de bom azeite) para dividir igualmente pelos dois. Não tinham medidas adequadas para fazer a divisão. Tinham apenas duas vasilhas de 3 e 5 litros. Como deviam proceder para levarem para casa metade do azeite cada um?"

 

Este tipo de problemas era comum. Para obter a solução são necessárias algumas operações. É esse o desafio que propomos aos leitores, indicar as operações precisas para cada um ficar com metade do azeite.

 

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publicado por Frantuco às 23:33
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