Já passei por muitos sítios, aldeias, vilas e cidades. Em todos os
lugares vivi experiências, umas mais interessantes e outros menos,
como é normal acontecer a qualquer pessoa. Algumas deixaram
marcas que perduraram ao longo dos tempos. Outras desapareceram
no esquecimento normal da sua pouca importância e substituídas
por outras, cuja marca se tornou indelével.
Curiosamente ou não, as pessoas, os factos, as experiências que
vêm sempre à superfície, reflectidas no horizonte da memória,
regressam lá de longe da infância e juventude e estão ligadas,
a maior parte das vezes, à vida na vila. São momentos de pura
felicidade.
Esse tempo vai longe. Já passaram algumas décadas, mas
quando pomos a memória a recuar, uns factos chamam outros
e ficamos com um conjunto de elementos que fazem a nossa
história pessoal. Somos dos que pensamos que as pessoas,
assim como os países, são mais felizes e têm seguramente um
futuro mais longínquo se tiverem um passado rico de factos, de
acontecimentos, se tiverem história.
Passemos aos factos.
As ruas não tinham luz eléctrica. As noites eram escuras e
as sombras das árvores que o vento sacudia e, por vezes,
animais soltos, provocavam num adolescente momentos de
angústia, de medo das almas penadas que vinham lembrar-lhe
que a hora era tardia para andar na rua. E lá vinham à lembrança
as histórias do lobisomem, que nas noites de sexta-feira vagueava
pelas ruas na forma de cavalo ou de burro, exactamente a sombra
escura que está ao fundo da rua por onde vamos passar. E lá nos
encostamos à parede para passarmos despercebidos. Ao ouvirmos
sacudir as orelhas ou algum som semelhante ao soprar é que
descobrimos o burro e suspiramos de alívio. Afinal de contas
o lobisomem ou o vampiro não saiu naquela noite.
Apesar de não terem luz, as ruas eram o local privilegiado
dos jogos da infância. Era nas férias de inverno que, apesar
do frio e aproveitando o luar que iluminava os largos que serviam
de “palco” ao jogo, nos encontrávamos para um combate de fintas,
de gritos, discussões, vitórias e derrotas. A maior parte das vezes
era um jogo que durava horas e a que nós chamávamos a
“Barra-bandeira”. Penso que hoje não é conhecido e nunca mais
ouvi falar ou li alguma coisa acerca dele. Talvez algum dia, se tiver
tempo e pachorra escreva acerca das suas regras e de outros
jogos que eram únicos.
Lobisomens e jogos, que mistura!
Os meus amigos e companheiros de jogo (alguns deles infelizmente
já não estão presentes) também gostavam de charadas e perguntas
que mostravam que existia uma cultura própria ligada à vida da aldeia
e de todos os dias. Era vulgar fazerem perguntas, aparentemente
simples, mas que exigiam um raciocínio apurado, escondendo, por
vezes, alguma “armadilha”.
Tentem responder de forma correcta às perguntas:
Por vezes, para terminar uma discussão acalorada, alguém dizia,
com uma oralidade intencional:
-Tu que sabes tanto, responde lá: Quem de vinte cinco tira
quantos ficam?
Mas também apareciam as perguntas que exigiam reflexão
antes de responder, como:
- O que pesa mais, 1 kg de penas ou 1 kg de chumbo?
E esta, que além da reflexão exige do respondente algum sentido de humor:
- Qual a quantidade de terra que existe num buraco com
3,2 m de comprimento, 1,8m de largura e 2,4 m de profundidade?
E para terminar, uma pergunta que muitos dos leitores já devem
conhecer, mas que não deixa de ser interessante:
- Num fio dos telefones estava um bando de pardais constituído
por 12 pássaros.
O meu tio que é caçador e gosta de comer uns passarinhos
fritos pegou na espingarda e matou 5. Quanto pardais
ficaram no fio?
Eram estes os desafios e outros parecidos com estes que os meus
companheiros gostavam de utilizar para desafiar os outros elementos
do grupo, muitas vezes numa competição que apenas tinha como
objectivo tentar mostrar conhecimentos e capacidade de raciocínio.
Aqui os deixamos para vós, ficando mais uma vez à espera dos
vossos comentários, sugestões e críticas.
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